quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O golpe contra o direito quilombola da Invernada dos Negros - SC

Após três dias de ocupação na sede do Incra/SC, em Florianópolis, 24 pessoas da Associação dos Remanescentes do Quilombo Invernada dos Negros decidiram retornar para casa, em Campos Novos (SC). A decisão de ocupar o Incra/SC ocorreu em 18 de novembro, diante do fracasso das inúmeras tentativas realizadas em Brasília para garantir a assinatura pelo governo federal do decreto de desapropriação da Invernada dos Negros, prevista para o dia 20 de novembro de 2009, na cidade de Salvador, como parte das comemorações do Dia da Consciência Negra.

A assinatura do Decreto era aguardada com grande expectativa pela comunidade dos herdeiros desde dezembro de 2008, quando a Portaria reconhecendo e delimitando os limites de seu território foi publicada. Todas as etapas administrativas do processo de regularização fundiária foram cumpridas, não havendo qualquer motivo técnico ou jurídico para impedir a assinatura do Decreto. Muitas foram as manifestações de apoio, moções e documentos produzidos (anexos) pelos mais diversos segmentos sociais: movimentos negros, sindicatos, núcleos de estudos vinculados a universidades e servidores do Incra em favor da consolidação do reconhecimento do direito da comunidade às suas terras. Todas as manifestações foram encaminhadas aos órgãos públicos competentes, no sentido de pressionar o governo federal para cumprir o direito quilombola.

No entanto, a comunidade retorna para casa sequer com uma justificativa ou explicação oficial sobre os motivos que levaram o governo federal a proceder dessa forma. A única explicação para a comunidade e para a sociedade é extra-oficial e, infelizmente, é a mais frágil de todas: o Decreto foi retirado por pressões políticas. Se é assim, então trata-se de um golpe ao direito quilombola.

Mesmo diante desse lamentável fato e desrespeitoso tratamento, os herdeiros da Invernada dos Negros voltam para casa de cabeça erguida, pois sabem como ninguém que a luta dos negros pelo direito a terra independe de manobras políticas, mesmo quando são surpreendentemente feitas por um governo que tem base popular. É uma luta histórica e permanente, pela existência e a dignidade do ser negro. Mas é uma luta travada em batalhas onde as armas e as forças são dispostas de forma muito desigual.

Mesmo assim os quilombolas persistem como apreenderam com seus ancestrais. Lutam pelas terras herdadas em 1877 e atualmente reduzidas a pequenas áreas apertadas pelo avanço criminoso do cultivo de pinus na região. Nessas terras, resistem todos os dias contra os grandes grupos econômicos, as ameaças, as intimidações, ao preconceito e ao racismo. Resistem e lutam contra uma injustiça, por cidadania negada, por uma identidade negada, por um direito constitucional que o estado brasileiro custa a reconhecer.

Nesse último e triste episódio dessa trajetória de luta, justamente no Dia da Consciência Negra, os herdeiros da Invernada dos Negros testemunham mais uma vez o quanto a democracia no Brasil é ainda um projeto distante para os negros e para as comunidades quilombolas deste país.

Raquel Mombelli, Antropóloga que elaborou o Laudo Antropológico dos Quilombolas de Invernada dos Negros e acompanhou as mobilizações para desfazer o golpe contra os direitos territoriais e étnicos da comunidade Invernada dos Negros.

Fonte: Raquel Mombelli

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